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sábado, 9 de dezembro de 2017

'Ouvia os gritos', diz vizinha sobre crianças resgatadas com fome e sede após bilhetes em Cuiabá

Vizinhos de duas crianças e três adolescentes, com idades entre 6 e 14 anos, que viviam em condições desumanas e foram resgatados pela Polícia Civil na quinta-feira (7), no Bairro Pedregal, em Cuiabá, relataram ter ouvido gritos das vítimas diversas vezes. A dona de casa Maria Gerluce Alves da Silva, de 70 anos, mora ao lado da casa onde a família morava e, frequentemente, dava comida e remédios para as crianças pelo muro que divide as duas residências, na tentativa de ajudá-las a sobreviver.

"Eu passava comida, mesmo, como arroz e feijão, pelo muro, sempre que o pai não estava vigiando. Elas esperavam ele ir para o quarto ou sair e mandavam bilhetes enrolados em pedras no meu quintal, falando que estavam com fome e sede", relatou.

Os pais das três crianças e dos dois adolescentes, Hélio Roberto dos Santos e Natália Pereira de Paula, foram presos e devem passar por audiência de custódia. O G1 não conseguiu localizar a defesa do casal e não foi informado se eles já prestaram depoimento à polícia. A Delegacia Especializada de Defesa da Criança e do Adolescente (Deddica), que investiga o caso, deverá retomar os trabalhos na segunda-feira (11).

Ao longo das duas últimas semanas, Gerluce disse ter juntado uma sacola de mercado com os bilhetes, que foi recolhida pela polícia ontem, durante o resgate. Ela relata que os pais agrediam as crianças usando cintos e canos e que viu as vítimas apresentavam hematomas e marcas de cortes pelo corpo.

As crianças e os adolescentes passavam os dias trancados em um cômodo nos fundos da casa onde os pais viviam, sem energia elétrica ou acesso à comida e água potável, deixando o local apenas para irem à escola.

O local é sujo, com odor fétido, e os colchões onde as vítimas dormiam, estavam úmidos. No chão molhado, peças de roupas, cobertores e até material escolar foram encontrados pelos policiais. O odor fétido também pode ser sentido no cômodo. O conselheiro tutelar Wagner Vinícius de Lima, que assumiu o caso, define a situação como "terrível".

"Atuo como conselheiro há sete anos e já vi de tudo um pouco, mas uma situação dessas, em Cuiabá, é a primeira vez. É subumano o que elas viviam aqui", disse.

Nos últimos dias, o pai havia cortado a "mistura", como as crianças se referem à comida completa, como um castigo de 30 dias, após a filha mais nova pegar um garfo da casa principal e levar para o cômodo que dividia com os irmãos. Dessa forma, nos últimos dias, as crianças viviam comendo arroz e feijão sem tempero e mal cozido - muitas vezes azedos -, que eram fornecidos pelo pai.

Futuro

As crianças e os adolescentes foram levados para duas casas de acolhimento e, nesta sexta-feira (8), passaram por exames de corpo de delito, cujo resultados devem sair dentro de dez dias e serão encaminhados para a Deddica.

De acordo com o conselheiro tutelar, mesmo sem os laudos oficiais, é possível observar que as vítimas estavam "extremamente desnutridas", apresentavam hematomas diversos pelo corpo e aparentavam muita tristeza quando foram resgatadas.

"São crianças totalmente foram do peso, vítimas de violência física doméstica e maus tratos", afirmou.

Dois dos meninos encontrados seriam filhos de Hélio com outra mulher. Já os adolescentes e a menina seriam filhos de Natália. Apenas um deles é filho em comum do casal. De acordo com Wagner, a Justiça é quem deve decidir o futuro das vítimas, que devem permanecer nos abrigos.

Prisão

Quando os investigadores chegaram na casa foram recebidos por Hélio. Ele fazia um churrasco no momento. No entanto, as crianças, com fome, estavam no cômodo e sentiam apenas o cheiro da comida. Hélio já responde por estupro de vulnerável, cometido em Goiás em 2013.





Fonte: G1